~Palavras Cotidianas.

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"Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos."

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''Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.''


Friedrich Nietzsche






Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais.

- José Saramago.


no surprises...

19 de julho de 2010

Espelhos e Obsessão.

Eu queria entender, queria poder enxergar o que, de fato, se passava.
Mas meus olhos se recusavam, meus sentidos me enganavam.
A escuridão me envolvia, e eu nem sequer sabia como continuar, muito menos como voltar.
Sabia que sua alma estava presa, sabia! Sabia, pois, que tinha que partir, abandonar o navio, antes que ele se voltasse e eu visse o amor, a morte em seu olhar. Antes de ver o ódio.
Ainda sentia viva em minha alma a ferida de suas palavras, o retalho sangrento em meu seio. Sabia que os cacos espalhados não iriam nos separar.
Sabia mais, que os espelhos que me cercavam infiltravam a dor em mim, e ainda restavam tantos!
Como bloquear os portais do meu vício?
Me perguntava, então, se estariam corretos, se eu estava louca, trancada em uma mente distorcida, perdida para o mundo real.
Mas não, meus pensamentos eram reais, eu sentia, realmente, a dor e o prazer de ser obcecada por algo, sentia a maldade entre meus dedos, sentia...
Eu sabia...
E essa noite, ele viria novamente. Eu podia sentir, eu queria sentir.
Na minha cama, a janela entreaberta permitia que a brisa me acariciasse, me permitia vislumbrar o colorido dos prismas nas paredes, brincando como fadas, ninfas sedutoras e atrevidas, sussurrando segredos e prazeres...
Eu ainda lembrava de tudo, ainda sentia o gosto, mas sempre que fechava os olhos na claridade, eu voltava, era puxada de volta para todo aquele sangue, para a maldade.
Eu podia, sabia, sentia, toda a dor e o ódio dele, eu ainda lambia em meus lábios, seu gosto de ferro, de prazer e pecado. Seu gosto mortal.
Ele me dizia, aos berros, que eu ainda ia matar a nós dois, que nossa obssessão ia nos destruir, mas dava risada de suas tentativas infantis de se livrar de mim.
Como poderia, pobrezinho? Se livrar de minha imagem, eu sabia que era tão viciado quanto eu, sabia que ele nunca ia se livrar de mim.
E a cada mulher, iria me sentir, e a cada investida de seu prazer, ia sentir o meu. Eu sabia, eu tinha feito isso.
Se eu era doente, ele também o era. Era nossa doença,nossa obsessão.
E isso ia até os ossos.
As ninfas ainda dançavam pelo quarto, e eu podia antecipar o prazer de vê-lo novamente. Por que ele nunca me abraçava? Estava me fazendo pagar por tudo o que eu tinha feito? Mas, então, ele também teria que me pagar por todas as traições. Teria que me pagar por cada hora de sofrimento, de loucura, por cada mulher que via em seus braços, e por toda a alegria doentia que sentia ao ouvir ele chamar meu nome, ao final. Não, ele estava amarrado nisso, tanto quanto eu.
E estava perto. Eu podia, de verdade, sentir ele se aproximar.
Mais um espelho, mais uma noite, quando isso teria fim?
Eu não tinha novas memórias, eram tão velhas aquelas!
Apenas o vazio e a lembrança do primeiro espelho...
Apenas o escuro, a imobilidade, e desde então, nunca mais senti seu toque. Por quê?, eu me perguntava..
Ele chegou, podia ouvir seus sussurros às minhas costas.
Odiava nunca saber de onde ele viria. E nunca poder segui-lo.
Podia passar horas olhando seus olhos, me afundando em sua dor, quem estava preso afinal?
Eu estava nua, e estava torturando ele, sabia, mas isso me dava um prazer descomunal, o poder, o vício, a tortura. Eu era sua dona, e ele era meu dono. E eu ia destruir isso novamente, enquanto carregava a imagem de sua morte, de sua partida, eu ia destruir ele noite após noite, por ele ter me destruido, por ele estar me matando lentamente, enquanto podia rir de mim, enquanto podia estar seguro atrás da frieza do vidro. E eu estava pagando lentamente.
Por que estava sangrando? Não podia entender, por que as luzes piscavam tão depressa?
Tudo estava rodando, e eu ouvia vozes, reais, dessa vez, não apenas a voz dele. Não a voz impregnada de paixão, que me descontrolava.
Ouvia, de verdade, e, será que poderia também ver?
Tentei abrir os olhos e o que senti me fez querer voltar pro meu mundo.
Sabia, de alguma forma, que estava de volta, e sabia que eu estive afastada do mundo, enfim, eu tinha certeza.
As luzes eram mais fortes, mais vibrantes, e as cores me cegavam. Podia sentir seu cheiro, sua presença, mas as vozes me diziam que ia morrer enfim.
Isso era bom, não? Ouvir o desespero de pessoas ao redor, que não entendiam o caos de vidro e sangue, que não entendiam como eu podia estar tão cortada, e ainda viva.
Enfim, eu poderia seguir em frente, e podia sentir tudo ficando para trás.
Tentei abrir os olhos, mais uma vez, e pude ver sua silhueta me esperando, e a alegria me inundou.
Os espelhos estavam inteiros, dessa vez.









*eu escrevo, afinal. mas quando termino, e leio, me sinto levemente humilhada.
o que sai de meus dedos, afinal, não é tão bom assim.
mas a sério? não penso. escrevo.
não sei como, quando eu descobrir, informo.
ainda vou conseguir. pena que quando quero, não sai nada. meus dedos ficam frígidos.
apenas pra lembrar que pela milésima vez, eu li Ciranda de Pedra, da Lygia Fagundes Telles, e O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë, os dois melhores livros do mundo todo.

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